Fluido, dinâmico e inovador
- Redação do Matraca
- 14 de out. de 2020
- 6 min de leitura
No ano em que o estado celebra seus 300 anos, elementos essenciais na cultura do estado, como o Grupo Galpão e o Festival de Inverno de Itabira, recriam formas de levar entretenimento ao público e celebrar a história mineira
Texto: Ana Luísa Lisboa, Larissa Miranda e Vitória Vilaverde
Edição: Ariane Lemos
O estado de Minas Gerais é considerado palco de grandes manifestações artísticas no campo da literatura, da música, da dança e do teatro, no qual possui longa história desde o período Barroco. A riqueza e a tradição de Minas com as artes cênicas se iniciaram no século XVIII, após grande parte da produção cultural da Colônia Portuguesa se deslocar para a região com a descoberta do ouro, especialmente nos entornos da primeira capital do estado, Vila Rica, hoje, Ouro Preto. Na época, as apresentações teatrais eram realizadas apenas em grandes festejos públicos e as encenações aconteciam especialmente em datas comemorativas, como Corpus Christi, Semana Santa e casamentos de membros da realeza.
Em meados de 1720, a população mineira começou a valorizar e a tomar gosto pelas encenações e, com a popularização das apresentações surgiram várias casas de óperas no estado. De acordo com o livro, “Panorama do teatro brasileiro”, de Sábato Magaldi, as casas da ópera foram uma inovação teatral que deu início a uma produção regular no Brasil, já que as companhias tinham uma estrutura fixa para se apresentar e instrumentos essenciais que ajudavam na atividade cênica.
Entre os espaços criados, o mais tradicional é a Casa da Ópera de Ouro Preto, que completou 250 anos de fundação em junho deste ano. Construída pelo português João de Souza Lisboa, em 1770, o teatro foi espaço de espetáculos para a elite local e palco de diversos atos políticos. Sabe-se também que encenação de números teatrais com mulheres – algo proibido na época – e óperas do repertório luso-brasileiro foram declamadas na mais antiga Casa da Ópera do Brasil e da América Latina. Além disso, o seu brilho cultural incentivou as demais vilas da região a construírem seus teatros, marcando presença até hoje no cenário artístico cultural mineiro e nacional.

Contudo, apesar de uma história marcada por grandes apresentações, o espaço tem passado por uma escassez orçamentária que faz com que sua gestão seja marcada pelo improviso e por precariedades técnicas. Para o professor de história e filósofo, José Heleno, o Brasil vivencia grandes retrocessos que impactam diretamente a cultura nacional. “É um momento muito triste para a nação e, sem dúvida, o que nós vemos é uma ameaça à história dos bens culturais e a possibilidade das manifestações culturais”, avalia.
Para o historiador e filósofo, a falta de verba específica dedicada ao teatro é decorrente de uma desvalorização por parte do governo em relação à cultura. “Estamos sob ameaça de um governo que flerta com o fascismo, que é autoritário, que é conservador, que é corrupto e que tem aparelhado todos os espaços institucionais e, nesse sentido, vem aparelhando também os espaços relacionados à cultura”, completa.
Em grupos
A passagem do século XIX para o XX resultou em diversas mudanças sociais, econômicas e culturais em Minas Gerais. Com a fundação de Belo Horizonte, em 1897, toda a riqueza da produção cultural e os movimentos artísticos de maior relevância na literatura, na música e nas artes visuais se deslocaram para a nova capital mineira.
Os estabelecimentos próprios dos grupos teatrais começaram a surgir em maior número no final do século XX e no início do século XXI, como uma estratégia de extrema importância para a viabilização dos projetos artísticos de longo prazo. Isso fez com que os grupos criassem uma relação efetiva junto à comunidade e à classe artística. E assim, os anos 1980 marcaram um novo ciclo nas apresentações teatrais mineiras. Nessa época, o teatro de rua aproximou as plateias afastadas do espaço teatral e fez com que o espaço público fosse reconquistado. Nesse sentido, grupos teatrais independentes se tornaram as maiores referências de um novo modo de produção e criação.
O Grupo Galpão, criado em 1982 por Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antonio Edson, é um exemplo de grupo múltiplo e heterogêneo que se consolidou a partir da década de 1980 como uma das companhias mais importantes do cenário teatral brasileiro, cuja origem está ligada à tradição do teatro popular e de rua. No entanto, para que essa consolidação ocorresse foi uma longa e difícil estrada. Eduardo Moreira, um dos atores e fundadores do grupo, relata que o Galpão começou na rua porque não tinha condições financeiras suficientes para adentrar aos palcos do teatro. “Não havia espaço próprio e nem local fixo para exercermos nosso trabalho nem ensaiarmos, o que tornava a estrutura de produção muito carente”, lembra.
A atual formação do Galpão é composta por 12 atores fixos, sendo eles: Teuda Barra, Fernando Linares, Paulinho Polika, Paulo de Moraes, Yara de Novaes, Jurij Alschitz e Marcio Abreu, Eduardo Moreira, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia e Simone Ordones. No entanto, o Galpão trabalha também com diferentes atores e diretores convidados que têm espaço garantido para atuar em sua sede própria, localizada no bairro Horto, em Belo Horizonte.
O Grupo Galpão é hoje, um dos grupos brasileiros que mais viaja. No território brasileiro, já se apresentou de Norte a Sul, além de ter participado de vários festivais em países da América Latina, América do Norte e Europa. O sucesso do grupo se dá também devido à maneira de se comunicar com o público por todos os lugares onde circula “Sem dúvidas o grupo é importante na estrutura histórico-cultural mineira e também brasileira, sobretudo pela forma como se apresenta, pois o teatro de rua, o teatro popular, desenvolvido pelo grupo busca sempre ter uma relação muito estreita com a comunidade. Porque o teatro está muito vinculado com a vida de todos nós, e essa vida tem que pulsar com o poder da imaginação, que é o grande trunfo do teatro; de recriar a vida e ver o mundo com outros olhos”, conta Eduardo Moreira.
No cinema
O grupo é uma prova de que a consolidação do cinema não tornou as obras teatrais menos importantes ou vistas, pelo contrário, ambos podem e devem se misturar. Segundo Eduardo muitos atores do grupo, inclusive ele, circulam entre teatro e cinema “Todas experiências com o cinema são válidas e alimentam ainda mais o teatro, pois essa heterogeneidade de caminhos é muito importante dentro da trajetória do Galpão.” Exemplo disso é Moscou, documentário produzido em 2009, no qual o diretor de cinema Eduardo Coutinho acompanha o Grupo Galpão nos ensaios da peça "As Três Irmãs", texto de Tchekhov e direção de Enrique Diaz. O filme é composto de fragmentos dos workshops, improvisações e ensaios da peça.
Outra obra mais recente é o documentário Éramos em Bando (2020, 54min) lançado pelo Grupo, com a direção de Marcelo Castro, Pablo Lobato e Vinícius de Souza. Éramos em Bando surgiu neste momento incerto provocado pela pandemia de Covid-19. O início do isolamento social coincidiu com a véspera da estreia da mais recente montagem do Galpão, Quer ver escuta, que não chegou aos palcos do Festival de Curitiba, em abril, como previsto. Impossibilitado de finalizar e estrear o espetáculo, o grupo decidiu então dar continuidade ao trabalho teatral usando as plataformas digitais de videoconferência. Assim, os encontros, que aconteciam sob a orientação dos diretores da peça, Marcelo Castro e Vinícius de Souza, foram gravados, codirigidos e montados pelo artista plástico e cineasta Pablo Lobato e se tornaram a obra audiovisual lançada em setembro em parceria com a distribuidora Embaúba Filme.
O documentário, está disponível gratuitamente no canal do Grupo Galpão no YouTube e no site da distribuidora Embaúba Filmes sem a necessidade de retirada de senha ou compra de ingresso online.

Nos festivais
As artes cênicas em Minas também contam com os palcos dos tradicionais festivais de inverno. Neste ano, o Festival de Inverno de Itabira homenageou os 300 anos de Minas Gerais, com o tema “Sou Minas Gerais”, retratando o percurso histórico e enaltecendo toda a rica produção cultural do estado. Devido à pandemia de Covid-19, o evento que acontece ininterruptamente desde 1974, precisou ser adaptado em um formato totalmente online, para levar arte e entretenimento à população.
“Vimos uma oportunidade de homenagear o nosso estado e ao mesmo tempo, gerar uma reflexão sobre toda a sua importância por meio do nosso tradicional Festival de Inverno. Com isso, preparamos uma programação que remeteu a algumas das nossas várias manifestações culturais. Falamos do barroco, da nossa história, da nossa música, da nossa tradição popular e religiosa e também da nossa gastronomia”, comemora Gustavo Linhares, assessor de comunicação da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), instituição responsável pela realização do Festival.
Segundo Linhares, as atrações da programação alcançaram a marca de 15 mil visualizações. Com o suporte financeiro de empresas privadas, no decorrer de dez dias, o público pôde acompanhar diversas apresentações artístico-culturais, totalizando 43 atividades divididas entre oficinas (19), apresentações musicais (14), contações de histórias (2), palestras (2), bate-papos (4), teatros infantis (2), teatro adulto (1) e exposição (1).

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