Reflexões sobre o machismo
- Redação do Matraca
- 29 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de set. de 2020
Vereador de Oliveira faz declaração sexista sobre prefeita da cidade;
gestora diz que a ofensa é destinada a todas as mulheres.
Roberta Carvalho, João Marcos e Alexandre Bernardes
O vereador e vice-presidente da Câmara Municipal de Oliveira, Francisco Naves (PSD), mandou a prefeita “parar de rebolar e ir trabalhar”. A declaração de cunho machista foi proferida durante uma sessão ordinária do Legislativo Municipal, quando o parlamentar criticou a atual administração. A fala gerou reação de outros parlamentares que defenderam a prefeita do ataque. O vereador Ederson de Souza da Silveira (PSDB) chegou a propor a saída de todos os parlamentares do plenário. “O vereador desrespeitou a prefeita ao dizer que ela rebola. Isso é um desrespeito. Isso essa Casa não pode aceitar”, discursou. E acrescentou que “isso foi uma das coisas mais baixas” que já ouviu na Casa.
A Câmara realiza as transmissões das sessões compartilhando-as nas redes sociais. Entretanto, segundo Naves, sua fala foi retirada de contexto e utilizada em sentido contrário do que ele disse: “Eu falei ‘prefeita, para de rebolar e vai trabalhar’ no sentido de ‘para, sacode a poeira, e vai trabalhar’.” O vereador ainda justificou dizendo que não entende o teor pornográfico atribuído à sua fala.

A prefeita Cristine Lasmar (MDB) disse que repudia falas como a do vereador e que esse tipo de declaração atinge todas as mulheres: “Não foi uma crítica só a mim, mas a todas as mulheres que se sentiram ofendidas”. E completou repudia as falas pois não se pode tolerar tal declarações. “Hoje somos todos iguais e somos capazes, sim, de administrar uma cidade ou uma casa ou (realizar) qualquer tipo de serviço”, ressaltou
Cristine ainda rebateu as críticas do vereador e disse que sua gestão fez muito pela cidade. Ela é a primeira mulher a ser eleita prefeita de Oliveira e pretende se candidatar à reeleição.

Atitude do vereador é grave, defende ativista
A reportagem conversou com a jornalista e ativista feminista, Laiana Modesto. Questionada sobre o posicionamento do vereador foi incisiva: “A atitude do vereador enquanto civil já seria muito grave. No entanto, ele sendo figura pública, política e representante do povo, se torna ainda mais grave, pois influência e reforça opiniões conservadoras e misóginas, e retarda movimentos que lutam contra o sexismo e a linguagem sexista que já está impregnada no nosso vocabulário e que é tão difícil de ser retirada.”
Ainda sobre a problemática da fala machista de Naves ela fez questão de ressaltar que no sistema social no qual estamos inseridos a figura masculina é predominante e que “a forma que nos portamos, expressões e falas tendem a apresentar o homem como viril, forte e dominante e a mulher, submissa, vulnerável e responsável apenas pelos desejos do homem e por todas as questões domésticas, o que sabemos não ser verdade”. Laiana ressaltando que a mulher é capaz de tudo e que devemos problematizar ainda mais esse tipo de declaração uma vez que “estas atitudes, são, infelizmente, comuns e fazem muito mal para as mulheres.”
A situação ocorrida na Câmara de Oliveira causa uma reflexão sobre o machismo estrutural na sociedade, arraigado aos hábitos cotidianos e como, não raro, são justificados pelo autor das declarações e ações. Naves foi mais um que, em sua defesa, disse desconhecer o que significa a palavra “machismo”. “Ele (machismo) é distorcido na nossa linguagem. Mas as pessoas não conseguem entender o que é um verdadeiro machismo e o que é um verdadeiro ser humano no direito de cobrar qualquer pessoa que ocupa um cargo, seja homem, mulher ou criança, ou qualquer um”, afirmou.
A ativista destacou que desnaturalizar as construções do imaginário machista deve ser um esforço coletivo, especialmente quando se analisa o esforço de justificação do vereador.
Série de reportagens irá abordar o machismo no âmbito cultural
O caso ocorrido na Câmara de Oliveira faz refletir sobre a interferência do machismo em todos os setores, incluindo o meio cultural e como a atitude das mulheres é vista em diferentes cenários, sejam eles na indústria cinematográfica, nos enredos das novelas ou, principalmente, no meio musical. O funk e a cultura pop atual têm ganhado grande ascensão das mulheres, que utilizam desse espaço para reivindicar seus direitos, falar sobre a sua realidade, impor-se enquanto figura independente e ainda levar mensagens de empoderamento para o público feminino.
Todavia, ainda é muito comum a vulgarização do corpo e a utilização da figura feminina como troféu em diversos clipes e letras masculinas, o que pode corroborar para a permanência do ideal machista nesse ramo musical. Além disso, a objetificação da mulher nesse meio é banalizada e tida como normal ou como objetivo de desejo para elas, na visão distorcida dos homens, que se vê no direito de mandar as mulheres rebolarem ou não, literalmente nesse caso, mas não tão obstante, do discurso misógino do deputado em questão.
Nesse aspecto, devemos ressaltar outros âmbitos nos quais o machismo está muito presente e a sua incidência oprime ainda mais as mulheres do que no meio cultural, como em casa, por exemplo. No ambiente doméstico, 90% das mulheres se sentem responsáveis pelo lar, ocasionando em média 7,5 horas a mais que os homens por semana na jornada total de trabalho segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE de 2015.
Esse comportamento provoca situações embaraçosas em nossa sociedade até hoje como por exemplo a ausência de um banheiro feminino no Congresso Nacional durante 55 anos, que foi construído apenas em 2016 para que as senadoras tivessem acesso.
A situação vivida pela prefeita de Oliveira é o ponto de partida para uma série de reportagens que o Matraca irá realizar nos próximos meses. Um esforço necessário para repensar o machismo cotidiano e como ele pode ser combatido.
Comentários