A propagação das lives no novo normal da indústria cultural
- Redação do Matraca
- 27 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Com o cancelamento de eventos, shows e festivais, as transmissões online se tornaram uma das principais janelas de acesso ao mundo cultural
Por Brenda Ribeiro, Cristiane Menezes e Olga Constância
A pandemia provocada pelo contágio desenfreado do novo coronavírus promoveu mudanças relativas ao comportamento das pessoas nos espaços públicos e foi, ao mesmo tempo, responsável por modificar as formas de consumo dos bens culturais. Se antes era possível se deslocar para participar de aglomerações em shows, festivais e eventos, agora, a única possibilidade viável é a participação mediada por plataformas digitais. Nesse cenário dinâmico e incerto, as lives se popularizaram e passaram a ser uma das principais janelas de acesso ao mundo cultural.
Para a professora e pesquisadora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) de Divinópolis, Janaína Visibelli, artistas e público têm experimentado novos formatos de consumo dos bens culturais. “Um ponto é a grande propagação de conteúdos diferentes nas tecnologias que temos, outra coisa é o que motiva essas pessoas a fazerem esses conteúdos, seja para compartilhar conhecimento, ou construir uma reputação. Nesse processo, de acordo com o objetivo de apropriação desses veículos, possibilita que novas formas de trabalhos sejam acessadas.”, analisa.
Visibelli aponta ser necessário compreender as possibilidades geradas por esse novo momento. “Temos visto que houve uma migração para as plataformas. Nesse momento em que não se pode ter as experiências presenciais, as plataformas permitem gerar novas experiências. A nova realidade gerou a possibilidade de que as pessoas colocassem para circular os seus materiais. Isso fez com que um grande volume de eventos começasse a surgir nas redes sociais, uma explosão de lives. Uma produção de conteúdo intelectual bastante significativa que agora está dispersa nas plataformas.”, analisa.
Uma nova maneira de consumir
Com a adesão do isolamento social, os músicos que antes se apresentavam em casas de shows, bares e restaurantes precisaram migrar para o digital e realizar suas apresentações em lives transmitidas pelo Facebook ou YouTube. O músico e compositor Paulo Henrique Lara foi um dos artistas a migrar suas apresentações. “O processo de migração para plataformas digitais já seria uma tendência natural, a meu ver. Claro que ninguém esperava que seria tão abruptamente a forma com que nós, músicos, teríamos que nos adaptar, mas já seria natural essa nova realidade. Eu, particularmente, enxergo como uma nova tendência de comunicação que veio para ficar.”, declara.
Lara avalia que a nova realidade provoca maior atenção do público que o assiste e que, por esse motivo, pode ser um ensejo para trabalhar projetos autorais. Apesar disso, ele considera que as lives “nem de perto se compara a delícia de estar junto ao público, mas as apresentações, de certa forma, agregam mais atenção por parte do espectador. Isso também é muito bom para o nosso trabalho. Vejo uma boa forma de trabalhar, por exemplo, projetos autorais.”, projeta.

Para Lara, essa nova maneira de consumo dos bens culturais exige que haja um investimento constante, por parte dos artistas, no processo de redesenhar a própria carreira. “Nunca foi tão necessário, para o músico, saber trabalhar e redesenhar sua carreira. Como vou divulgar meu trabalho? Com qual frequência? Se expor demais não fica cansativo para o público? E por aí vai.”, pondera.
O músico e compositor afirma que pretende continuar com as lives no cenário pós-pandemia, mas que será mais cauteloso com as plataformas. Para ele, “a nova ferramenta é uma forma muito precisa para divulgar um novo projeto ou uma nova música, seja lá o que for. Vou continuar, mas com uma percepção cuidadosa para não explorar da forma errada as plataformas digitais.”
Meio cultural local é bem atingido
Desde o início da pandemia, quando o isolamento social se tornou uma forma de prevenção e combate, quase todos os estabelecimentos fecharam as suas portas. Como algo que aconteceu repentinamente e pegou muitos de surpresa, incluindo os pequenos artistas.
Breno Chula, fisioterapeuta por profissão, mas amante e apoiador da arte, é envolvido em vários projetos culturais e, desde o início da pandemia, juntamente com outras pessoas, vem produzindo lives solidárias. Ele relata as muitas dificuldades que estão sendo enfrentadas por músicos, atores locais e regionais. Para Breno, as lives são forma de entretenimento, mas de cultura também. No início da pandemia, elas assumiam um papel de levar o conhecimento para as pessoas e as não deixar só, além de espalhar a cultura e a expandir a lugares que antes ela não poderia chegar: “O meio/mercado cultural sofreu muitas transformações durante esse tempo de pandemia, mas acho que como tudo, também deve ser visto o lado bom disso, os artistas estão aprendendo novos meios de se comunicarem e levar a arte. Isso tem sido muito bom.”, avalia.

Breno vem produzindo algumas lives solidárias desde o início de julho objetivando ajudar famílias e pessoas do mundo da arte. “As lives funcionam como forma de musicoterapia. São solidárias, arrecadam alimentos, roupas, dinheiro, para ajudar os artistas que estão sem lugares públicos para trabalhar. O intuito era auxiliar o próximo.”, conta.
Questionado se o mercado cultural havia sido atingido, Breno disse que “foi muito atingido. Os artistas locais/menores sofreram um baque. Porque a grande maioria vive apenas da arte, não tem uma renda extra, nem possuíam uma reserva. As lives objetivam ajudar também esses artistas, os auxiliando com alguma rendinha. Em cidades como Lavras Novas e Tiradentes que ficaram bem isoladas, esses artistas passaram perrengues.”. Breno ainda ressalta que o meio artístico é bem unido e um vai ajudando o outro como pode.

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