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A vida dos artistas independentes na pandemia

9 artistas falam sobre sua arte, adaptação, suas situações financeiras durante o ano atípico de 2020 e a expectativa para 2021

Sanny Cunha e Talita Dias


Em diversos setores profissionais a pandemia tem causado situações de crise que levaram a adaptações no modo de trabalhar, quase sempre migrando para a internet. Para artistas independentes também não foi diferente, havendo necessidade de utilizar as redes sociais, principalmente o Instagram, para tentarem manter a renda mensal. Outros artistas, como os de rua, precisaram adaptar à realidade pandêmica às suas atividades, dobrando os cuidados por estarem expostos por muitas horas.


Para falar mais sobre as dificuldades da arte independente durante a pandemia, nove artistas foram convidados para falar de suas realidades, como se adaptaram e se receberam algum auxílio governamental para manter seus trabalhos vivos – o Governo Federal criou em 29 de junho de 2020 a Lei Aldir Blanc com verba destinada ao setor cultural. Eles também recomendaram festivais que serão realizados em 2021 em formato 100% online.


André Camargos é comunicólogo e artista de pinturas com aquarela, guache e digital. O profissional executa igualmente trabalhos em colagem, produção editorial e encadernação artesanal. Mairon Alves é ilustrador, membro do duo de muralista TREM e designer gráfico. João Nildo é artista de rua, faz arte cênica e malabares. João Vitor Fonseca Rabelo é fotógrafo. Cristiellen de Sousa Pereira é jornalista e faz hand lettering. Luis Fernando Araújo Ferreira é estudante e DJ de música eletrônica. Stéfan Magalhães é publicitário, produtor audiovisual e músico. Kauê Rocha é ator e palhaço. E Lucas Luiz Marzinotto é multi-instrumentista. Dos nove entrevistados, apenas André considera a arte um hobby, todos os outros tem a arte como profissão.

Em ordem, da esquerda para a direita:

André Camargos: @eugostomesmoedecafe

Cristiellen de Sousa Pereira: @emtracos

João Nildo: @mimicogentileza

João Vitor Fonseca Rabelo: @jf.fotografia2020

Kauê Rocha: @kakaue

Lucas Luiz Marzinotto: @lucasmarza_

Luis Fernando Araújo Ferreira: @gregmusicofficial

Mairon Alves: @tremnosmuros

Stéfan Magalhães: @tangerinesoficial


O IMPACTO DA PANDEMIA EM SUAS ATIVIDADES


Para uma grande maioria, era necessário o contato com o público para realização de suas performances, o que ficou inviável perante a realidade e os cuidados necessários para evitar o contágio do vírus. Vejam o que alguns dos entrevistados responderam:


André Camargos: Muitos dos meus planos foram adiados! Eu iniciei 2020 com planejamento focado na divulgação de oficinas de aquarela, participação em feiras e outros eventos artísticos, incluindo atividades de atualização profissional/artística. Entretanto, tive que reduzir o ritmo e adiar vários desses planos para um futuro breve.


Mairon Alves: Na área de muralismo o que complicou com a pandemia foi o estar na rua pintando. Já na área de ilustração digital, não houve impacto significante.


João Vitor Fonseca Rabelo: Realmente a pandemia afetou diretamente meus ensaios fotográficos, pois como as pessoas estavam seguindo as normas de distanciamento e cortando gastos, estava sendo muito difícil encontrar clientes dispostos a realizar os ensaios por um preço justo.


Cristiellen de Sousa Pereira: Devido a pandemia houve uma queda considerável nas vendas e encomendas, afinal, esse tem sido um período de muita incerteza para todos. Além disso, as feiras que participava não foram realizadas por medidas de segurança, claro, e isso também impactou de certa forma, tanto em questão de venda, quanto pela divulgação do meu trabalho, já que por meio delas eu conseguia alcançar mais pessoas.


Kauê Rocha: O impacto foi geral. A palhaçaria, que defino como uma arte da presença e do contato, foi extremamente prejudicada com o isolamento social, assim como a maioria das artes. Oficinas presenciais canceladas, espetáculos suspensos e festas impossibilitadas de acontecer. O choque foi geral.


Lucas Luiz Marzinotto: Cancelamento de eventos, como cerimônias de casamentos. Em março do ano passado havia uma previsão de 2 (dois) cerimoniais entre os meses de abril/maio, shows de turnês (pequena turnê em maio com a banda Ponto de Equilíbrio e com o cantor internacional Mitchell Brunings, além da turnê de verão 2020/2021 com o respectivo artista no litoral sul do estado da Bahia e shows no carnaval 2021). Isso impactou de forma significativa na questão laborativa do meu fazer-artístico


A ADAPTAÇÃO


De acordo com os entrevistados, foi necessária uma adaptação de suas artes e apresentações para o formato online. A rede social Instagram foi amplamente mencionada pelos artistas, o que indica uma tendência de expansão desse setor na plataforma. O Instagram é hoje a maior plataforma de engajamento, superando o Facebook, embora o número de usuários ainda seja maior no Facebook do que no Instagram. Os artistas criaram perfis profissionais, lojas online, lives com apresentações e uma crescente de projetos escritos para editais.


A ACEITAÇÃO DO PÚBLICO


Os artistas ainda comentaram que houve resistência maior no princípio da pandemia, mas que, com o passar dos meses, foram compreendendo e abraçando essa nova realidade, através do acolhimento e apoio financeiro e emocional que receberam.


André Camargos: Muitos dos seguidores e clientes do ateliê me apoiaram desde o início da pandemia, seja compartilhando ou comprando as minhas produções. Desse modo, considero que houve uma boa aceitação, ainda mais pelo fato de que, sempre que possível, eu mantive a minha presença em ambiente on-line.


Mairon Alves: Na rua, as pessoas elogiam os murais, mas com distanciamento.


João Nildo: Tinha mais barreira no princípio por ser algo novo. Hoje as pessoas tem mais noção das medidas obrigatórias de proteção. Ao invés de recolher o dinheiro no sinal com a mão, utilizo o chapéu, evito fazer as performances perto dos carros ou pegar dinheiro com crianças e idosos.


João Vitor Fonseca Rabelo: De certa forma os clientes demonstram um grande bloqueio aos ensaios por serem “presenciais”. Porém, através de uma conversa antes da realização das fotos, eu consigo passar uma segurança maior para eles de que todos os cuidados necessários serão tomados.


Cristiellen de Sousa Pereira: Quanto a isso não tive nenhum problema. Os pedidos de orçamento, na maioria das vezes, são feitos pelo Instagram ou WhatsApp. Então, nesse primeiro momento, não tenho muito contato pessoal/direto com o cliente, apenas no momento da entrega. Mas todas elas foram realizadas seguindo as medidas de segurança, respeitando o distanciamento e o uso de máscara.


Luis Fernando Araújo Ferreira: Melhor do que eu esperava, no início foi mais difícil, pois estavam todos assustados com o novo vírus, mas com o passar do tempo o público passou a consumir mais arte (filmes, livros, músicas e arte em geral).


Stéfan Magalhães: É muito bom receber comentários, porém não é o mesmo que fazer um show para as pessoas ali na sua frente.


Lucas Luiz Marzinotto: Para diminuir parte do efeito negativo do isolamento social, alguns artistas tiveram que reinventar seus processos de produção. Profissionais da música, desde os mais reconhecidos nacionalmente até os que atingem menor público (artistas locais e independentes que em sua maioria estão vendo seus projetos serem aposentados e cancelados), estão investindo em transmissão virtual de shows. As apresentações virtuais feitas por meio de redes sociais, mesmo não sendo patrocinadas por grandes marcas, acabam recebendo incentivo de alguns seguidores, mas limitam muito a recepção do público pelas dificuldades em “dialogar” a arte com o público por meio de plataformas digitais.


O DIÁLOGO DA ARTE COM O PÚBLICO


André Camargos: Confesso que não senti essa dificuldade (dialogar) por parte do público. O que senti foi uma falta de inspiração e vontade para criar vindo de minha parte. Nesse contexto, eu respeitei essa minha limitação e não forcei nenhuma produção apenas pelo fato de criar, como se eu tivesse que “bater ponto” numa empresa tradicional. Às vezes, quando rolam essas “crises criativas” eu respeito e dou tempo ao tempo.


Mairon Alves: Não houve dificuldade de dialogar, pois nossa proposta é deixar a arte na rua o mais acessível possível para a população. É um impacto visual de quem passa na rua e vê minha arte nos muros.


João Nildo: O artista já é um camaleão, então estamos acostumados a modificar as performances de acordo com o que está acontecendo na rua. Um bêbado ou uma criança chorando faz com que a apresentação seja modificada.


João Vitor Fonseca Rabelo: Neste ponto não senti tanta dificuldade. Devido ao fato de eu usar meu perfil profissional do Instagram como meu portfólio, a visibilidade do meu trabalho é muito facilitada, de modo que eu não preciso encontrar pessoalmente o meu cliente para que ele conheça o trabalho.


Luis Fernando Araújo Ferreira: Pelo contrário, senti uma conexão maior com o público de verdade, e também um acesso mais fácil ao mercado (gravadoras, agencias etc...), onde os mesmos se abriram mais para novos sons e novos artistas.


Stéfan Magalhães: Houve dificuldade no diálogo, por falta de estrutura mesmo, pra produzir os materiais.


Lucas Luiz Marzinotto: Acredito que o foco de qualquer manifestação artística-cultural é fazer com que o ser humano se perceba enquanto ser humano despido de CEP, de arrogância e do vil metal. Quando há essa conexão e essa movimentação através de shows, que não passam de momentos de celebração no qual a música exprime seu poder primordial de unir pessoas. E as pessoas são sensíveis por natureza. A partir do que está sendo exposto em apresentações musicais elas criam um diálogo consigo mesmas e parte de uma individualização pessoal do conteúdo absorvido, que ao meu ver, acaba sendo limitado através de uma mera exibição por meio de uma tela de “led” dos celulares, notebooks, TV, etc.


LEI ALDIR BLANC É DINHEIRO NO BOLSO DO ARTISTA


A Lei Aldir Blanc e o Auxílio Emergencial foram iniciativas que contribuíram em muito para a renda financeira de grande parte dos artistas independentes do Brasil, incluindo uma boa parcela dos entrevistados. “Participei de editais da Aldir Blanc, estadual e municipal. A municipal é para um projeto pós pandemia, e a estadual é para um mural em andamento em Itaúna” disse Mairon Alves. Uma dificuldade encontrada por alguns artistas também foi de produzir projetos que os beneficiariam melhor. João Nildo conta: “Peguei dois editais municipais e um estadual, além do auxilio emergencial pela lei Aldir Blanc. Porém chegou só no fim do ano e como não tinha conhecimento de como escrever projetos para edital, acabou que gastei o dinheiro tentando acertar pra tentar ganhar dinheiro com os projetos”.


UM OLHAR NO FUTURO PRÓXIMO: A ARTE EM 2021 SERÁ NORMALIZADA?


André Camargos: Sinceramente, no Brasil, não. Enquanto não existir um plano de vacinação efetivo que comtemple toda a população brasileira, não será possível realizar eventos e feiras artísticas que possibilitem a comercialização de artes e outras produções, fazendo com que o dinheiro circule por aí. Ainda mais, tendo em vista que muitas pessoas (consumidores/clientes) tiveram suas fontes de renda reduzidas ou zeradas. Entretanto, tento ser otimista para me adaptar a esta nova realidade, sem pensar exclusivamente no dinheiro (visto que a arte não é a minha principal fonte de renda). Acredito que atividades on-line continuarão por algum bom tempo entre a gente.


Mairon Alves: Acho que para a arte em geral 2021 continuará sendo um ano difícil. Principalmente para a parte que envolve lugares fechados e com aglomerações. Para aqueles que trabalham com arte digital em seus ateliês se torna um pouco mais fácil de continuar seu trabalho sem alterações na rotina.


João Nildo: Estou mais otimista com 2021, porque 2020 foi um ano perdido para a arte. Com a lei Aldir Blanc facilita muito as coisas. Tem muito dinheiro sendo investido em arte nesse período, porém adaptado à realidade pandêmica, sem público, que é o que move o artista.


João Vitor Fonseca Rabelo: Acredito que sim! Devido ao crescente número de vacinas distribuídas e aplicadas no início desse ano, acredito que mais para o final de 2021 as pessoas estarão mais tranquilas e seguras em relação aos ensaios fotográficos, além de uma condição financeira mais estável talvez para conseguir contratar os pacotes.


Cristiellen de Sousa Pereira: Pra ser sincera, acho que vamos conseguir olhar pra frente com mais otimismo apenas quando boa parte da nossa população estiver vacinada (e pelo que temos acompanhado nos noticiários, isso vem sendo feito a passos bem lentos, infelizmente). Sendo assim, acredito que até tudo isso passar e as coisas começarem a voltar ao normal, ainda teremos que buscar por outras alternativas e adaptar o nosso trabalho na medida do possível para alcançar mais pessoas e conseguir realizar vendas.


Luis Fernando Araújo Ferreira: Acredito que em 2021 não será possível a retomada dos shows, porém vejo que a minha carreira nesse ano será melhor que 2020 sim, muito pelo fato que eu disse acima, da abertura do mercado para novos artistas.


Stéfan Magalhães: Só com a vacina e um cenário melhor pra 2022 (risos). Com a Aldir Blanc vai ser possível fazer boas coisas, sim, porém ela não anula a pandemia.


Kauê Rocha: Infelizmente, não. A necropolítica que gere o Brasil atualmente, centrada na figura do facínora que ocupa o cargo da Presidência fez com que o país se transformasse no pior exemplo de combate à pandemia, deixando-nos numa situação ainda mais horrorosa nesse início de ano. Dessa forma, o que vejo, em relação ao universo artístico, é mais um longo tempo de arte virtual. Dói, mas é o que é seguro fazer.


Lucas Luiz Marzinotto: Devido ao percentual de vacinados no Brasil caminhar a passos lentos, com apenas 4% da população imunizada com a primeira dose datada em 10 de março de 2021, e o isolamento social sendo a medida mais eficaz para diminuir a disseminação letal do vírus, acredito que o impacto da COVID-19 entre profissionais da arte ainda é imprevisível de se mensurar. Apesar dos inúmeros esforços providenciais da lei Aldir Blanc, que foi criada para diminuir o impacto causado nas artes pela pandemia em território nacional, o estrago causado pela COVID-19 somada a uma política genocida de um governo federal protofascista vem superando todas as expectativas. Pois além de termos de enfrentar uma nova variante do vírus, temos também que lidar com a falta de estratégia por parte do governo federal que, nos melhores dos eufemismos, pode-se dizer que é ineficiente.


Em relação à segunda pergunta elencada na questão, acredito ser primordial para a classe artística buscar se reinventar de alguma maneira para continuar subsistindo. A pandemia COVID-19 teve um impacto significativo na indústria musical, refletindo seus impactos em todos os setores das artes. Tenho apostado em novas habilidades, como aprender a cantar, ter domínio em instrumentos percussivos como o pandeiro e a ministrar aulas de instrumentos durante a quarentena. Diversificar é parte do que a pandemia deve deixar de lição para os músicos/musicistas. A outra parte é que o poder público despreza a classe artística, o que foi ministério um dia e hoje é secretaria de cultura desconhece a necessidade de políticas públicas para a classe artística, isso é assustador (vide entrevista da Regina Duarte à CNN em maio de 2020). Isso inviabiliza a possibilidade de enxergar um cenário mais otimista para o cenário de 2021.


Nem todos os artistas concordam em alguns pontos, mas é certo afirmar que a pandemia foi devastadora para a classe no início, contudo, artistas são camaleões e se adaptam facilmente às situações para poder se expressar, fazer o público sorrir e se emocionar. Todos afirmaram que somente com a vacina será possível para eles vivenciar seus palcos preferidos novamente para observar melhor a reação do público.


DICAS CULTURAIS NA PANDEMIA


Confira abaixo algumas indicações de festivais e eventos online feitas pelos artistas:


André Camargos e Cristiellen de Sousa Pereira indicam: O Pixel Show é o maior evento de criatividade da América Latina. Como em 2020 não foi possível realizar o evento presencial (em SP), a equipe adaptou as atividades para o ambiente virtual. Mesmo após o evento, os responsáveis continuaram produzindo conteúdo ao vivo com diversos artistas do Brasil e do mundo. O legal é que as lives ficam salvas no canal do PS no YouTube. Segue os links:


André Camargos ainda complementa: Uma outra dica é a peça de teatro “MEDEIA - TRAGÉDIA DIGITAL AO VIVO”, adaptada e transmitida pelo Zoom. Eu assisti no final de semana e achei sensacional tamanha criatividade e potência artística. Fica a dica para vocês! A peça é realizada aos sábados e domingos, e é gratuita!

João Nildo: Muita coisa bacana em 2021. “Convenção na nuvem” do circo no beco, voltado para artista de rua. Eu vou promover 4 rodas de conversa em Divinópolis com artistas locais programadas para o próximo mês.



Stéfan Magalhães: Festival Pedra Negra de Música Instrumental



Kauê Rocha: Festival Mundial de Circo. Esses eventos provam que mesmo na dureza do momento é possível (e necessário) seguir fazendo Arte e experimentando o que essa linguagem online proporciona. Festivais como esse estão pipocando agora, principalmente graças à Lei Aldir Blanc, grandiosa, e oferecem um conteúdo maravilhoso para as redes. Sigamos!


Lucas Luiz Marzinotto: Festival Nacional da Canção (FENAC) – Especial Minas Gerais

VII Festival Nacional de Música Popular Livre (será realizado por meio do Instituto Curupira – Barbacena/MG).


 
 
 

1 comentário


A repôr está linda, muita gente envolvida com ótimas propostas. Fico feliz em ver que os fazedores de arte estão trabalhando nesse nível.

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