A violência política virtual às candidaturas negras e o germinar das semente de Marielle
- Redação do Matraca
- 23 de mar. de 2021
- 5 min de leitura
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Marielle Franco em 2020 com cerca de 142 mulheres negras candidatas, 78% das entrevistadas afirmam que sofreram ou sofrem algum tipo de violência virtual
Eduarda Xavier

A pesquisa caracteriza dentro desse tipo de violência parâmetros para análise de suas diversas faces, sendo eles: “ter recebido comentários e/ou mensagens machistas e/ou misóginas em suas redes sociais, por e-mail, ou outros aplicativos de mensagem (20,7%), ter recebido comentários racistas em suas redes sociais (18%), ter participado de reunião virtual que foi invadida (17,1%), ter tido a sua própria reunião virtual invadida (12,6%), ter sido vítima de ataques com conteúdos machistas durante uma live (9,9%), ter sido vítima de ataques com conteúdos racistas durante uma live (8,1%), ter sido vítima de criação e disseminação de notícias falsas sobre si, sobre membros de sua família e/ou sua campanha (5,4%), ter sofrido invasões nas redes, contas e dispositivos pessoais, ter sofrido algum tipo de censura nas suas redes sociais (manipulação de algoritmo, remoção de postagens) e ter recebido comentários e/ou mensagens LGBTfóbicas nas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens (1,8% cada).” Além de um ataque que atinge particularmente às candidaturas femininas que é o recebimento de “nudes” por homens desconhecidos em suas redes sociais (0,9%).
E ao se tratar de crimes virtuais, uma grande barreira nessa manifestação da violência política é o reconhecimento de tais acontecimentos enquanto crime, tanto por parte das vítimas quanto em relação ao acolhimento da justiça. Pensando no contexto eleitoral e no crescimento dos crimes virtuais, a ONG Coalizão de Direitos Digitais publicou em 2020 a cartilha “Eleições e Internet: Guia para proteção de direitos nas campanhas eleitorais”,que orienta candidatos acerca do que fazer em caso de violências, como construir uma campanha limpa no ambiente virtual, fortalecimento da internet enquanto espaço democrático, além de oferecer um informativo sobre as interseccionalidades desse tipo de violência.
Levando em consideração a questão da saúde pública que limitou a difusão de campanhas presencialmente, o que consequentemente gerou uma necessidade de investimento no ambiente virtual, é preciso pensar também no acesso a tecnologias e internet por parte dos candidatos e do eleitorado. Já que 1 a cada 4 brasileiros não utilizam internet. Totalizando 47 milhões de pessoas sem acesso ao ambiente virtual, segundo dados do TIC domicílios 2019. Revelando mais uma face da violência virtual, dessa vez do Estado em relação a ineficácia ou inexistência de políticas públicas voltadas ao acesso a internet e tecnologia enquanto um direito social e político.
Segundo a cartilha da Coalizão de Direitos Digitais, apesar da internet ser um impulsionador de vozes marginalizadas, em certa medida tornou-se também “um fórum de desinformação”. Que potencializa no período eleitoral a disseminação de discursos de ódio e ataques que vão do ambiente virtual ao mundo offline.Em entrevista a vereadora do município de Itaúna, MG, Edênia Alcântara (PDT) relata as potências e desafios no ambiente virtual “(...) as redes sociais ao mesmo tempo que tem essa abertura, essa democracia de alguma forma demonstrar quem somos, o trabalho que a gente realiza; tem esse contraponto também que, infelizmente é uma terra de ninguém, todo mundo fala o que quer, na hora que quer. Então eu sofri muitos ataques de grupos políticos que não estavam associados ao meu. Principalmente pelas escolhas que eu fiz quando eu escolhi o PDT”. Exemplificando em sua vivência o dado fornecido pelo Instituto Marielle Franco que demonstra os 29,3% dos agressores que advém de partidos opositores aos das candidatas. Edênia relata a dificuldade em lidar com os ataques e enfrentar durante e no pós período eleitoral no início também de uma gestação “ é bem complicado passar por isso, psicologicamente falando” “é muito desafiador, ver que o peso em cima de mim é bem maior do que em outros vereadores. A todo momento parece que eu estou em uma vitrine e as pessoas estão esperando algum erro meu para pegar e falar: eu avisei.” Afirma que de certa forma esse processo também trouxe uma maturidade em relação a compreensão de seu espaço enquanto uma mulher negra na política “a gente tem que segurar muito barra muita coisa para chegar no local que a gente quer chegar. E não é só chegar e permanecer. Isso é o mais complicado, permanecer nesses espaços que a gente alcança”. Levantando inclusive a questão da importância da luta na política para construção de uma sociedade mais democrática “quando uma pessoa ocupa esse espaço, no legislativo, no executivo, e que vem de uma trajetória de vida que vem de uma base de movimentos populares e ocupa os espaços; essa pessoa vai levar para dentro questões que antes não eram discutidas. Como por exemplo, a câmara municipal até janeiro não existia nenhuma comissão que tratar sobre direito da mulher.”
As situações relatadas pela vereadora reforçam o protagonismo de grupos vulnerabilizados socialmente enquanto as principais vítimas de ataques políticos. “As candidaturas mais afetadas são aquelas que historicamente foram privadas de exercer seus direitos políticos, e assim não tiveram esse lugar na política como “dado” ou “natural”;ou seja, se você é candita/o/e e não se define como homem, ou como pessoa branca heterossexual e cisgênero, provavelmente você já sofreu as violências categorizadas nessa cartilha”. segundo dados da cartilha da Coalisão de Direitos na Rede. Em entrevista Edênia comenta sobre uma que para além de ser uma das maiores vítimas da violência política no Brasil, é também uma das maiores inspirações na luta por direitos: a ex-vereadora do PSOL Marielle Franco. “Marielle é referência Nacional de luta e construção, principalmente dos corpos negros dentro do espaço político.(...)Essa violência que atravessa os nossos corpos não tem como a gente deixar de lado ou achar que foi algo isolado, que ficou no passado, porque o caso da Marielle foi um dos casos.” E enfatiza que não apenas a morte física atravessa a experiência de corpos negros “(...) existe vários tipos de mortes. A partir do momento que a gente tem direito negado, a partir do momento que a gente tem um grau maior de dificuldade para acessar um ensino de qualidade, para acessar a saúde, principalmente agora nesse contexto de pandemia, isso é um tipo de silenciamento. Esse tipo de tratamento com nossos corpos negros é uma forma de matar os nossos sonhos matar a nossa perspectiva”.
Mas para além do silenciamento de vozes de mulheres negras eleitas, Edênia afirma que “a partir do momento que a gente conseguiu ressignificar a morte da Marielle, a gente conseguiu dar um novo significado de vida. Tanto que surgiram as sementes de Marielle, que estão se espalhando pelo país, florescendo e gerando as suas sementes”. E concluí “(...) o que eu tenho consciência nesses três meses de Mandato é que eu tenho que seguir mesmo as experiências que eu tive ao longo da minha vida, com os movimentos de bases que eu estou à frente e dá continuidade a esses movimentos. Independentes do apoio ou não do Legislativo e do executivo. Transformar isso de forma independente sabendo que eu não sou vereadora, estou como vereadora. Nesses quatro anos e tirar um pouco a responsabilidade de achar que eu vou conseguir fazer tudo, porque infelizmente não depende só de mim.(...)Mas no que eu conseguir dar continuidade em tudo que eu já fiz, quando eu falo eu não é só eu Edênia Alcântara, tem várias pessoas por trás também é um trabalho de muitas mãos; mas de alguma forma se a gente conseguir evidenciar esses pequenos detalhes, nossa ideia valeu demais.”
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