As tentativas de cerceamento da liberdade de expressão na plataforma Instagram
- Redação do Matraca
- 22 de mar. de 2021
- 7 min de leitura
Casos foram relatados por modelo britânica e influenciadoras brasileiras
Ana Luísa Lisboa e Brenda Ribeiro
Em outubro de 2020, o Instagram completou 10 anos de existência registrando números impressionantes. Atualmente, a plataforma possui mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais, o que a coloca como a 5ª rede social mais popular do mundo, segundo informações do site G1 Economia. Além disso, ela é uma das plataformas com as maiores taxas de engajamento por postagem, chegando a 2.2% (2% a mais do que o Facebook).

No entanto, assim como o número de usuários, as polêmicas envolvendo o Instagram crescem a cada dia. Nos últimos anos, mulheres de diversas partes do mundo alegaram sofrer censura da própria plataforma com relação às suas publicações na rede social. Nos Estados Unidos, a modelo plus-size Nyome Nicholas-Williams, teve algumas de suas fotos derrubadas pela plataforma. Nas imagens, ela aparecia segurando os seios com o objetivo de levar para seus 70 mil seguidores, uma mensagem de autoaceitação e amor próprio.
Após o ocorrido, a modelo passou a observar que fotos de mulheres gordas e negras – nuas ou de lingerie – eram mais censuradas do que imagens de mulheres com corpos padrões. A plataforma, no entanto, só se posicionou depois que Nyome promoveu a campanha #IWantToSeeNyome (#EuQueroVerANyome). Após ser acusada de gordofobia, a plataforma anunciou, em outubro do ano passado, que atualizaram suas regras e diretrizes sobre nudez. De acordo com a própria rede social, as mudanças nas políticas envolvem, especialmente, as fotos com seios à mostra e cobertos pelas mãos.
Os principais alvos da plataforma têm gênero e conteúdo específicos

No Brasil, as tentativas de censura do Instagram direcionadas a contas femininas acontecem frequentemente. A influenciadora digital, Polly Oliveira, recebeu denúncias em seu perfil e teve alguns posts deletados quando publicou um vídeo dublando a modelo, personal trainer e influenciadora fitness, Mayra Cardi. Resumidamente, Mayra explica no vídeo que a forma como você se posiciona na foto é capaz de determinar se ela está bonita ou se está, usando suas próprias palavras, “gongada.”
Polly publicou o vídeo fazendo a mesma pose e usando as mesmas palavras como forma de reprovação ao que a musa fitness disse. Porém, dias depois, o conteúdo foi deletado de seu perfil, enquanto o de Mayra permanece no ar até hoje. A influenciadora produz conteúdos que falam sobre corpos femininos reais, os problemas que envolvem a romantização das cirurgias plásticas e outros assuntos que seguem um viés de empoderamento feminino.
Um conteúdo semelhante é o da influenciadora digital Thamyris Stuart. Ao entrar em seu perfil do Instagram, é possível perceber que a divinipolitana utiliza o espaço para influenciar outras mulheres à autoaceitação, ao autoconhecimento e ao amor próprio. A frase da sua biografia, “Sendo uma mulher que levanta outras mulheres!”, ilustra bem essa concepção. A influencer publica conteúdos variados sobre o universo feminino, porém, com foco na relação das mulheres com o próprio corpo, na valorização dos corpos reais e na quebra dos estereótipos vinculados ao corpo “ideal” feminino.
As 247 publicações em seu perfil são divididas entre vídeos para o IGTV, posts variados com dicas para mulheres e conteúdos como “Verdades sobre a indústria da magreza” e “4 sinais de que você está vivendo uma relação abusiva consigo mesma”. A influenciadora também publica fotos nas quais aparece mostrando o seu corpo livre e, em suas legendas, sempre procura incentivar as mulheres ao autocuidado e ao amor próprio.
Porém, assim como Nyome e Polly, a influenciadora enfrentou problemas com a plataforma. Depois de publicar um vídeo sobre o uso dos filtros no Instagram e a distorção da autoimagem, seu alcance foi reduzido consideravelmente. Em entrevista concedida ao Blog Matraca, a influenciadora declara acreditar que a intenção da plataforma “não seja a de silenciar todas as mulheres, mas aquelas que, de certa forma, quebram os padrões vigentes, já que esses funcionam em favor do capitalismo e a plataforma também é um espaço de vendas”, reflete.
“As influenciadoras e blogueiras fitness cumprem o papel que antes cabia às modelos nas revistas femininas. O papel de difundir uma ideia de "corpo perfeito" que é conquistado através do consumo de produtos específicos vendidos pela indústria da beleza para solucionar os problemas que elas mesmas criam. Há alguns meses venho discutindo os impactos causados pelo uso frequente dos filtros do Instagram. A harmonização facial é um dos procedimentos estéticos mais procurados atualmente e o que os filtros fazem, na minha opinião, é despertar o desejo em quem usa, de procurar por um procedimento desse tipo. Quando comecei a discussão lá no meu perfil, meus números caíram muito! As visualizações nos meus stories e curtidas nos posts diminuíram drasticamente. Busquei informação e descobri que o Instagram boicota conteúdos que ele acredita que não sejam benéficos pra ele em termos de publicidade. Precisei me retirar por um tempo, e então, meus números voltaram a crescer. Ainda assim, nunca mais foram os mesmos.” – Trecho da entrevista concedida a equipe do Matraca, no dia 16/03/2021.

Quando questionada a respeito de quais mudanças deveriam acontecer nas diretrizes do Instagram para que esse tipo de ação fosse evitada, a influencer cita “a liberdade de se expressar contra normas que causem quaisquer danos à saúde mental das pessoas”. Todavia, ela não acredita que esse seja um interesse efetivo da plataforma.
Ação algorítmica: shadowban e a questão da censura seletiva
Desde 2016, o Instagram investe no aperfeiçoamento do seu algoritmo com a intenção de promover experiências mais personalizadas aos seus usuários. Nesse sentido, a ação algorítmica da plataforma passa a ser baseada no fator de personalização de conteúdos, operando por meio da entrega de posts voltados aos gostos pessoais de cada usuário. Isso explicaria, inclusive, uma das mudanças mais emblemáticas feitas pela plataforma até hoje: a mudança do feed cronológico para o feed personalizado, em outras palavras, o feed voltado a dar destaque para conteúdos que o usuário normalmente consome e que são compatíveis com o seu perfil.
De uma forma geral, os algoritmos são os principais responsáveis pela entrega do conteúdo ao usuário, o que pode determinar fatores importantes para os influenciadores, como o nível de engajamento do público e a visibilidade alcançada pelo conteúdo na plataforma, por exemplo.
Em suas diretrizes de uso, o Instagram define as principais regras que compõem a plataforma e qual comportamento é ou não aceito. Por isso, em teoria, caso o usuário descumpra algumas das diretrizes, ele pode ser notificado, ter o seu conteúdo excluído ou, dependendo da situação, ter a sua conta banida. No entanto, relatos de usuários que vivenciaram algumas dessas ações sem que necessariamente tenham descumprido as diretrizes são recorrentes.
Em 2020, por exemplo, a cantora e compositora Bia Ferreira, tornou público através do seu perfil na plataforma uma de suas poesias em que ela denuncia o genocídio contra o povo preto e, ao mesmo tempo, reflete sobre questões urgentes, como o racismo estrutural e a desigualdade social. Horas depois, o conteúdo foi derrubado pela plataforma com a justificativa de “incitação ao ódio e conteúdo impróprio para o Instagram”, segundo informações da própria artista.
No dia seguinte, a cantora gravou uma live contando o acontecimento para seu público e fez um apelo à plataforma, questionando qual o critério adotado para retirada do conteúdo do ar. No vídeo, ela declara: “O Instagram derrubou a minha poesia, eu acordei hoje censurada pelo Instagram! [...] Por que vai derrubar a minha poesia, Instagram? Por que vai silenciar a voz de mais uma mulher preta?”, questiona. Após a repercussão da live, a artista decidiu publicar novamente a poesia acompanhada da seguinte legenda: “De novo! E de novo” [...] e quantas vezes mais forem necessárias pra que a mensagem chegue!”.

Um exemplo de ação aplicada implicitamente pela algorítmica da plataforma é o shadowban. Traduzida para o português como “banimento fantasma”, a ação acontece sem que o usuário seja notificado. Nesse sentido, o mecanismo interfere implicitamente no desempenho do alcance de um usuário específico, além de impactar silenciosamente na dinâmica de disponibilização de conteúdo. Por ser um mecanismo de banimento que possui razões ainda pouco conhecidas, a ação é frequentemente vista como uma forma de censura seletiva, uma vez que os reais motivos da censura não são explícitos para os usuários.
Em contrapartida, alguns perfis que recebem uma série de denúncias de outros usuários não têm suas publicações retiradas do ar, nem ocultadas da plataforma. Um exemplo muito conhecido é o perfil do jogador de pôquer e ator estadunidense, Dan Bilzerian. Conhecido por ser uma celebridade da internet, Bilzerian possui atualmente 32,7 milhões de seguidores na plataforma e produz conteúdos voltados a exibir o seu estilo de vida bilionário, expondo armas de fogo, dinheiro, mulheres e jogos. Ao entrar no perfil do ator, o público terá acesso a postagens que reforçam papéis de gênero, exploram os corpos femininos, e ainda, romantizam a questão do armamento. Confira alguns exemplos:


Fotos/Reproduções: Prints do Instagram Dan Bilzerian. (@danbilzerian)
Em 2020, foi organizado um movimento nas redes sociais (Instagram e Twitter) liderado por mulheres brasileiras, em que se questionava o teor do conteúdo produzido por Bilzerian e os seus impactos para outros homens. A movimentação tomou grandes proporções e o nome “Dan Bilzerian” figurou nos Trends Topics do Twitter, como um dos assuntos mais comentados do dia no Brasil. No entanto, apesar da movimentação e das denúncias direcionadas ao perfil do ator, sua conta do Instagram permanece ativa e suas publicações, inclusive contendo legendas com teor sexual, não foram retiradas.
Levando em consideração que a ação algorítmica pode, por um lado, silenciar mulheres que produzem conteúdos sobre amor próprio, autoaceitação e empoderamento; enquanto, por outro lado, mantém perfis como o do bilionário Dan Bilzerian, a ação algorítmica do Instagram aparenta ser seletiva e arbitrária para o público. As preocupações aumentam quando se levantam indícios de que as medidas de censura da plataforma são atravessadas por questões de gênero e classe que ferem grupos historicamente oprimidos.
A equipe do Blog Matraca contatou o Instagram por meio de um dos canais disponibilizados para comunicação, mas, até o fechamento desta reportagem, ainda não recebemos uma resposta da plataforma.
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