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Com a melhor da intenções

Beatriz Fonte Boa Albernaz


Desde que o mundo é mundo, a estética é uma preocupação das pessoas e uma grande fonte motora do mercado. De sobrancelhas grossas até cinturas extrafinas, muita coisa já foi decretada como o ideal a ser atingido.


As mulheres especialmente, que nunca estiveram isentas da tarefa de agradar aos homens, têm sua aparência sujeitada aos padrões mais grotescos de beleza. Li num livro, uma vez, que os minúsculos pés das gueixas, na China, faziam parte de todo um rigor que elas deveriam seguir para conquistar um pretendente. Nesse caso, o desequilíbrio causado pelo seu tamanho somado à dor absurda de ter os pés enfaixados por toda a vida, provocavam os sentidos de vulnerabilidade e erotismo, que muito chamavam a atenção de futuros maridos.


Pois bem, uma coisa é fato: ainda que muitas crenças em relação à estética desapareçam, há sempre aquela que está no topo da relação doentia entre mercado e público. Adicione uma pitada de rede social na mistura e voilà. Eis que você tem antidepressivos e herbalife pro jantar.


Indignada e vítima dessa realidade, em 2015, a jornalista, youtuber e digital influencer, Alexandra Gurgel, trouxe ao Brasil o movimento “Corpo Livre”, uma extensão do “Body Positive” iniciado nos EUA na década de 1970. O nome da corrente deixa óbvio: seja como for, seu corpo é livre para sê-lo. A proposta do movimento é, acima de tudo, incentivar as pessoas a se amarem e aceitaram, abrangendo todas as características ignoradas como “belas” – na grande mídia principalmente. Mas essa mídia não é a única responsável pelo reforço do padrão imposto.



OI, POSSO TE CENSURAR?


Não é segredo para ninguém que os algoritmos das redes sociais, especialmente aqueles responsáveis por “manter a casa em ordem”, são muitas vezes contraditórios e ineficientes. Todos nós conhecemos casos de publicações que foram tiradas do ar com toda a razão, mas também sabemos apontar aquelas publicações inofensivas que desapareceram sob justificativas incabíveis.


O que não podemos esquecer é que, por mais que algoritmos sejam um recurso automático e digital, existe um pessoal que está ali por trás, responsável por definir o que pode e o que não pode. Eis que nos esforços para tornar a rede social cada vez mais pacífica e menos letal (sim, a palavra é “letal”), o Instagram criou mais um recurso que questiona o usuário se ele “tem certeza de que deseja publicar isso” quando um comentário potencialmente ofensivo é feito em uma publicação qualquer.


Até aí tudo bem. A intenção é boa e o recurso funciona – em alguns casos. Acontece que quem cria esses algoritmos são pessoas comuns, sujeitas à mesma realidade que eu e você, e, sem esquecer do tema central desse artigo, aos mesmos gostos e padrões estéticos.



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Prints de comentários do Instagram. Foto: Reprodução

MAGRO PODE, GORDO NÃO


Após a implementação do recurso, o perfil do movimento Corpo Livre, no Instagram, fez uma publicação mostrando que a palavra “gordo” é uma das reconhecidas pelos algoritmos como ofensiva e, ao ser comentada, o usuário é questionado se gostaria mesmo de fazer aquilo. Acontece que um dos grandes esforços do movimento é retirar dessa palavra o caráter negativo e emplacar o “ser gordo” como só mais uma característica, tal como ter cabelo castanho.


Sabemos também que chamar uma pessoa de gorda nunca é feito com a melhor das intenções, afinal somos sempre lembrados pela mídia e pela indústria de que a beleza e o sucesso estão nos corpos magros, e de que ser gordo não vai te levar a lugar algum. A palavra já está tão contaminada que até seu diminutivo é reivindicado na hora de adjetivar alguém: “É aquela moça gordinha, lembra?”.


Mas como pode uma pessoa gorda se desprender dessas amarras e conseguir ressignificar uma de suas características, quando o Instagram a lembra o tempo todo que há perigo em dizer isso? A pergunta soa muito mais como: “Tem certeza de que tá tudo bem ser gordo?” E mais, não pense que a plataforma está preocupada em abolir características físicas – de maneira geral – dos comentários inofensivos, pois a palavra “magro” tá liberada.


Trata-se, portanto, de repensar a dinâmica dessas plataformas, porque a dinâmica da vida real vai muito além de simplesmente tapar os ouvidos para determinados termos e arrancá-los do dicionário à força. As pessoas e os movimentos têm maneiras mais eficazes de atingir seus propósitos, e o mundo virtual deve estar disposto a fazer um pouco mais pelos seus usuários se estiver mesmo preocupado em se preservar “como um lugar acolhedor”.


Nos resta, então, nos apropriarmos desse emaranhado de questões e desatar os nós que encontrarmos por aí. O Instagram não vai conseguir ser um lugar acolhedor enquanto o mundo não for. Então, antes mesmo de ser uma responsabilidade dos algoritmos nos orientar, é responsabilidade de todos orientarmos nossos valores e intenções.

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Mensagem de alerta da rede social. Foto: Reprodução

Ana Carolina Conesa Beatriz Albernaz

Fernanda Elisa

Matheus Antônio

 
 
 

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