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Imprensa Negra: Um movimento jornalístico e racial brasileiro

Ana Clara Libório, Laura Lopes Trajano e Maria Paula Lopes de Araújo


Durante a trajetória brasileira, houve diversas movimentações e eventos comunicativos, midiáticos e jornalísticos. Estas movimentações são parte importante da nossa historicidade nacional uma vez que retratam de qual modo a informação e a opinião são tratadas no país, além de demonstrar (de maneira concreta e direta) quais eram essas.


Dentre esses movimentos e eventos surge a necessidade de apontar a imprensa negra brasileira: um movimento jornalístico que agitou o panorama comunicativo enquanto atuava fortemente na luta racial brasileira.


É importante entender que a movimentação da imprensa negra existiu em dois sentidos: como movimento social e como movimento jornalístico. Isso é importante porque permite enxergamos o caráter social da imprensa, além de valorizar e conhecer uma atuação preta e relevante, que assim como outras no Brasil foram apagadas e silenciadas devido o racismo.


Peles negras e tintas pretas contribuíram mais para a história do nosso país do que os jornais e livros de história contam. Isso passa pela produção de jornais e narrativas próprios, que encarregados de documentar feitos, momentos e manifestações, fazer denúncias a discriminação racial, além de valorizar narrativas que envolvem os indivíduos negros.


De acordo com o professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Wedencley Alves Santana (54), a imprensa negra brasileira data do período pré-abolição. “Na verdade, o que chamamos de imprensa negra é secular. Luiz Gama, por exemplo, um dos autores na imprensa abolicionista no século 19, nunca esteve nas mãos dos grandes capitais midiáticos, como Globo, Folha de São Paulo, Correio Braziliense, etc.. Weden, como gosta de ser chamado, pondera que a imprensa negra no Brasil geralmente não está contemplada na grande mídia. “Nunca foi uma tradição do país agregar a imprensa étnica a grandes grupos corporativos, sempre foi uma imprensa dita alternativa, com limitação material mas com papel fundamental no abolicionismo e depois na contra hegemonia. A importância é específica para a discussão de cada época, principalmente num país que abraçou a ideia de inferioridade da raça negra, com o racismo”, analisa.

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Foto: Arquivo MNU

“O Homem de Cor”, o início.


Ainda durante a escravidão, mais precisamente 50 anos antes da “abolição” em solos brasileiros, a imprensa negra já dava seus primeiros sinais revolucionários com o jornal “O Homem de Cor”, veículo que ajudaria a consolidar o movimento no país.


“O Homem de Cor”, anteriormente chamado de “O Mulato”, foi um periódico carioca criado por Francisco de Paula Brito, jornalista, escritor e tipógrafo. Em setembro de 1833, ele lançou o primeiro jornal brasileiro a lutar contra a discriminação racial no Brasil. Sua impressão foi realizada pela Typographia Fluminense de Brito & Cia. – loja instalada no Largo do Rocio, que muito negros e negras frequentavam. O contexto do surgimento do “O Homem de Cor” está ligado à proliferação de pasquins de crítica política no fim do Primeiro Reinado.


Era possível encontrar exemplares do O Homem de Cor em pontos de venda ou por assinatura ao preço de 40 réis. Na época, negros não podiam fazer nada além do trabalho forçado. Por isso, o jornal era editado de maneira anônima. Ele chamava a atenção por ser crítico, ácido, reflexivo e denunciativo, sendo um importante instrumento para divulgação da informação naquele período. No entanto, o jornal teve existência curta, durando apenas cinco edições.

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Foto: Ministério dos Direitos Humanos

Imprensa Negra: Narrativas & Impactos


O Homem de Cor foi o pontapé dessa imprensa negra. Até hoje, é uma fonte para os portais antirracistas. A Imprensa Negra teve um papel indispensável na recuperação da dignidade, autoestima, cultura e identidade racial no Brasil, sobretudo por criar um lugar de disputa com as ideias do movimento eugenista e com o racismo científico, que tinham grande projeção.


Essas narrativas eram importantes para que pretos e pretas pudessem se reconhecer nos jornais e revistas e se identificarem como negros para compreender melhor suas pautas e lutar por dignidade. Os anos 2000 representaram um “boom” nesse debate, principalmente em relação à beleza, identidade e autoestima da população negra. No início dos anos 2000, a ascensão da população negra (econômica, principalmente) criou um público específico. Você vê isso na maior presença de negros da universidade, nas mídias, sobretudo nas alternativas, um efeito oposto ao que geralmente ocorre nas grandes mídias pontua Weden.


Além disso, o pesquisador analisa presença de pessoas negras no jornalismo, tanto na produção jornalística quanto nas pautas e critica o pragmatismo das mídias tradicionais. Em geral, as grandes mídias são paradigmáticas, delas que partem o modo de fazer jornalístico os modelos e modos de fazer jornalismo”, comenta o professor.


Essa metodologia proposta pelas grandes mídias é colocada no imaginário social como o “único modo”. Assim, apenas essa maneira é credibilizada, enquanto os “fazeres jornalísticos” marginais, negros, populares dentre outros são condenados e ficam sem muita visibilidade.


Para entender e exemplificar essa disputa narrativa, pode ser citado o mito da democracia racial, ideia adotada pós o período escravagista, que afirmava que o Brasil tinha harmonia entre negros e brancos e permaneceu (e ainda permanece) por muitos anos na sociedade brasileira. Essa ideia invisibilizava a existência do racismo e das mazelas sociais oriundas do preconceito racial.

Os jornais e periódicos que compunham a imprensa negra faziam fortemente esse combate ideológico, escancarando que a democracia racial era uma falácia, um equívoco, uma mentira que buscava apenas por “panos quentes” na gigantesca cratera racial existente no país. Esse fator comprova como o movimento foi porta voz para pautas e reivindicações de movimentos negros durante a história.


Além da disputa narrativa citada, a imprensa negra também atravessou impedimentos tanto financeiros como sociais, em sua maioria oriundos do racismo. Weden destaca a questão publicitária: “A imprensa negra, por um lado, tinha muitas limitações para produção, como patrocinadores, então a maior dificuldade era atrair anunciantes”.


Apesar disso, a imprensa negra conseguiu reunir um grupo representativo de pessoas para protagonizar a luta antirracista não só no meio jornalístico, mas também em toda a sociedade. Esse esforço rendeu frutos como O Combate (1912), O Menelink (1915), Liberdade (1918) dentre outros jornais potentes, dispostos e importantes para constituir uma comunicação e uma sociedade pró-igualdade racial no Brasil.


Além dos jornais que nasceram, morreram e inspiraram indivíduos, sobretudo, comunicadores e comunicadoras pretas, a imprensa negra auxilia fortemente na luta pela igualdade racial brasileira, devendo ser lembrada pelo seu importante compromisso social.


 
 
 

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