Marcha das Vadias completa 10 anos de busca por igualdades dedireitos e pela emancipação da mulher
- Redação do Matraca
- 13 de mar. de 2021
- 5 min de leitura
Confira os principais desdobramentos dos protestos que mobilizaram discussões sobre
violências de gênero e direitos das mulheres
Ana Luísa Lisboa e Brenda Ribeiro

A Marcha das Vadias comemora este ano 10 anos de existência. O movimento teve início no dia 3 de abril de 2011, após 3 mil mulheres saírem às ruas de Toronto para protestarem contra um pronunciamento feito por um oficial canadense. A Marcha ganhou força e projeção em território brasileiro, levando milhares de mulheres às ruas para discutirem sobre violência de gênero e reivindicarem pelos próprios direitos. O Blog Matraca relembra os principais desdobramentos e ressignificações geradas pela Marcha das Vadias no Brasil.
Histórico
No dia 3 de abril de 2011, após a ocorrência de diversos casos de abusos sexuais contra mulheres na Universidade de Toronto, o oficial canadense Michael Sanguinetti orientou, durante uma palestra, que “mulheres não deveriam se vestir como vadias” para se protegerem contra o estupro. Desde então, as ruas da capital Toronto, no Canadá, foram ocupadas pelo movimento denominado SlutWalk. Traduzido em português como Marcha das Vadias, ele se espalhou por meio de protestos feministas no Brasil e em outros países do mundo, mobilizando discussões sobre violências sexual e simbólica, machismo, misoginia e liberdade de expressão.
“Whatever we wear, wherever we go, yes means yes, and no means no.”
(O que quer que eu vista, aonde quer que eu vá, sim significa sim, e não significa não). Frase repetida por mulheres na primeira Marcha das Vadias, em Toronto, Canadá.
Desde a primeira manifestação, ocorrida na capital canadense, o movimento rapidamente se internacionalizou e se multiplicou através das redes sociais, ganhando força em países como Brasil, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Holanda, Colômbia, Peru e Israel. Agregando milhares de mulheres ao redor do mundo, a marcha é realizada anualmente em diversas cidades do Brasil, mantendo a motivação original (manifestar contra a culpabilização de vítimas de assédio sexual), bem como definindo, a cada ano, pautas locais para somar à luta das mulheres. Para a jornalista e ativista Bruna Provazi, a Marcha das Vadias ajudou a popularizar o movimento feminista na sociedade e na mídia. No entanto, ela ressalta que houve “um componente de classe, de cor e de padrão estético muito marcantes, principalmente na cobertura feita pela mídia”, pondera.
Os protestos no Brasil
São Paulo
“Se ser livre é ser vadia, então, somos todas vadias!”
Após a ampla repercussão dos protestos realizados em Toronto, no dia 4 de junho de 2011, foi a vez da capital paulista ser palco de um dos maiores protestos feministas dos últimos tempos. Organizado por meio de um evento criado na rede social Facebook, São Paulo foi a primeira cidade a sediar o protesto no país. Na ocasião, 300 pessoas compareceram à Praça dos Ciclistas, localizada na Av. Paulista, e as dezenas de cartazes, contendo mensagens contra o machismo, deram o tom do protesto.
Belo Horizonte
“Cuidado, sou vadia e estou organizada!”
No dia 18 de junho de 2011, a manifestação na capital mineira concentrou cerca de 700 pessoas. Cartazes foram espalhados pela Praça da Estação, um dos cartões postais da cidade. Eles estampavam mensagens contra o machismo e a violência de gênero, ao mesmo tempo em que davam voz a legados feministas. Um deles, por exemplo, explicava que o “feminismo não é o contrário do machismo”.
Rio de Janeiro
“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente com a roupa que escolhi. E poder me assegurar, que de burca ou shortinho todos vão me respeitar.”
No dia 2 de julho de 2011, as ruas de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, foram tomadas por cerca de 1 mil pessoas na Marcha das Vadias. A concentração saiu do posto 4, às 15h30, e seguiu até a 12ª Delegacia Policial. Nas redes sociais, a hashtag #MarchaDasVadiasRJ foi a mais utilizada no Twitter no dia do protesto.
Brasília
“Sou vadia, mas isso não te dá o direito de me estuprar!”
Na capital federal do país, o protesto ocorreu no dia 18 de junho de 2011, e reuniu cerca de 1 mil pessoas, entre mulheres, homens e crianças que cantaram gritos de empoderamento e palavras de ordem contra o abuso sexual sofrido pelas mulheres. Os manifestantes andaram por vários pontos centrais da capital e chegaram a ocupar todas as faixas do Eixo Monumental, localizada no centro do Plano Piloto.
Recife
“Meu corpo, minha escolha!”
No dia 16 de junho de 2011, a Marcha das Vadias ganhou as ruas de Recife. O evento contou com a participação de 200 manifestantes que saíram da Praça Derby, área central do município, e percorreram toda a Avenida Conde da Boa Vista. Durante o protesto, homens e mulheres seguravam cartazes com mensagens contra o machismo e a violência sexual. “Isso não é sobre sexo, isso é sobre violência” e “Homens de verdade respeitam as mulheres com igualdade” eram algumas das frases estampadas nos cartazes.

Ressignificação do termo “Vadia”
Apesar da sua importância como um movimento feminista que luta pelos direitos das mulheres sobre o seu corpo, sua liberdade e segurança, a Marcha das Vadias, mesmo depois de 10 anos, recebe críticas quanto à apropriação do termo “vadia” para designar o movimento no Brasil.
Desde a primeira manifestação, na cidade de Toronto, em 2011, o movimento se popularizou em todo o mundo, recebendo diferentes designações de acordo com os lugares em que os protestos eram realizados. Em países de língua espanhola, por exemplo, foi nomeado Marcha de las Putas ou Marcha de las Vagabundas. Já em Portugal, o nome SlutWalk foi traduzido para Marcha das Galdérias.
Ambas nomenclaturas adotadas pelos países – no Brasil principalmente – são originalmente usadas para depreciar e desqualificar as mulheres. Além de ser um adjetivo machista, a palavra “vadia” também é considerada racista e classista, uma vez que no período antecedente à abolição da escravatura, eram chamados de vadios os escravos que não aceitavam o trabalho forçado e os trabalhadores livres que não tinham ofício. Para Provazi, “a escolha do termo contribuiu para delimitar o perfil de mulheres que aderiram às marchas: jovens, urbanas, com acesso à internet, em sua maior parte, brancas e de classe média. Quanto a esse aspecto, a Marcha teve suas limitações”, argumenta.
No entanto, ao adotar o termo para a designação do movimento no país, o objetivo principal era ressignificar a palavra de forma positiva, como um empoderamento, e não mais como algo pejorativo. As organizadoras da Marcha das Vadias em diferentes estados afirmavam que a apropriação do vocábulo no país estava sendo feita de forma consciente, com a finalidade de trazer um novo significado para a palavra. Segundo Provazi, “o termo usado buscava estabelecer uma conexão direta com a SlutWalk original e, da mesma maneira como o termo em inglês, a tradução buscava se reapropriar de uma palavra usada como xingamento”, analisa. O slogan “Se ser livre é ser vadia, então, somos todas vadias”, usado nas manifestações de diversas cidades, ilustra bem esta ideia central.
Através dos protestos, as mulheres buscam a igualdade de direitos e mais autonomia feminina. Para isso, muitas vezes, elas lançam mão de roupas consideradas sensuais, batom vermelho e topless nas marchas, além de estamparem seus corpos com frases como “meu corpo, minhas regras” e “minha roupa não é um convite”, o que mostra que a ressignificação da palavra “vadia” vai muito além de um simples fator linguístico.
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