Uma doença invisível
- Redação do Matraca
- 21 de mar. de 2021
- 7 min de leitura
A rotina de quem tem que conviver com a dor e os estigmas da fibromialgia
Alexandre Bernardes, Bruno Oliveira e Roberta Carvalho
“Hoje eu acordei com ela atacada!”. O lamento é de uma mãe e dona de casa de 42 anos que, preocupada com os afazeres domésticos, avisa aos filhos sobre suas condições. Mara Carvalho lida com a Fibromialgia há 13 anos, mas só em 2018 obteve o diagnóstico definitivo.

Segundo dados do Centro de Reumatologia e Ortopedia Botafogo (CREB), a Fibromialgia é uma doença silenciosa e invisível que acomete 5% da população mundial e 2% da população brasileira. 90% dos portadores são mulheres a partir dos 36 anos, sendo diagnosticado 1 caso para homens a cada 5,5 para mulheres. Um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Universidade de São Paulo (USP), relata que a maior parte dos pacientes se queixam de dores musculares intensas e diárias e interferência no sono.
As dores, que são sempre constantes, podem variar de intensidade ao longo dos dias. É comum ter momentos mais críticos em alguns dias da semana. Em situações como essa, Mara acorda com os sintomas aflorados que a impedem de realizar até as mais simples tarefas do dia a dia.
“Não tem um segundo de alívio” (sintomas)
“A sensação é que eu estou carregando dois corpos”, conta a dona de casa. “Você já acorda com dor de cabeça e de mau humor por causa das dores. Parece que o corpo queima e tudo que você faz fica cansada, irritada e totalmente sem forças. Até a roupa pode incomodar dependendo do dia. A temperatura corporal aumenta e a sensação de calor também é um dos fatores que aumentam a irritabilidade”, complementa. Mara afirma que vem perdendo a sustentação nas mãos até para pegar os mais simples objetos e que a irritabilidade intestinal também é um problema recorrente relacionado a Fibromialgia.

A Fisioterapeuta Carolina Favarin explica que essa é uma síndrome dolorosa crônica que dura por mais de 3 meses e causa pontos de dor difusa. Ou seja, o paciente não consegue identificar os pontos específicos de dor. Esses incômodos variam entre queimação, inchaço, sensação de que algo está errado, sensibilidade ao toque onde até mesmo o vento e o tecido podem incomodar e, principalmente fadiga (cansaço extremo).
Devido à sensação constante de cansaço, o indivíduo portador da síndrome não tem um sono reparador adequado e, com isso, o cérebro entende que aquele corpo está em estado de alerta e vai mandando estímulos para manter o corpo ativo, provocando mais dor. O cérebro do fibromiálgico tem uma tendência a estar mais excitado e sensível do que de outras pessoas, o que torna o portador da síndrome mais susceptível a dor.
“É tudo muito difícil” (rotina)
Para Mara, o principal problema é a convivência com a dor constante, que não passa por nada. “Em alguns dias é mais forte do que em outros, mas em todos tem dor. Uma pessoa com fibromialgia não sabe o que é viver um dia sem dor”, aponta. A mãe do Léo, de 7 anos, enfrenta dificuldades diárias em tarefas simples como ensinar a lição para o filho. Além disso, as cobranças de um lar e toda pressão sofrida pelo próprio ambiente familiar geram ainda mais gatilhos para a doença.
“Os sintomas pioram com o emocional. O dia que fico mais nervosa ou até mesmo na época da TPM é mais complicado. Ataca tudo: intestino, cabeça, músculo. Tem dias que eu não consigo fazer nada”, relata.
De acordo com a fisioterapeuta Carolina Favarin, as questões emocionais estão, de fato, diretamente ligadas a síndrome, interferindo na intensidade da dor por meio dos estímulos gerados pelo cérebro mais sensível desses pacientes. “A dor não existe se não tiver aspecto emocional envolvido, se a dor não tiver nenhum componente emocional ela é apenas um sinal de perigo. Ou seja, quando a pessoa com fibromialgia está inserida em um ambiente em que ela não se sente à vontade ou que a deixa mais ansiosa e mais estressada, vai ocorrer um desequilíbrio dessa interpretação da intensidade de dor”, complementa.
Há ainda uma correlação entre a fibromialgia e a depressão. Pacientes fibromiálgicos tendem a ter mais dificuldades em focar em conversas longas, ler livros ou prestar atenção em filmes. Esses fatores, juntamente com a dor e a fadiga, causam ao paciente dependência ou falta de estímulo para realizar tarefas comuns do dia a dia, o que os torna preguiçosos, relapsos e desleixados aos olhos da sociedade que não entende os sintomas. “É o tipo de doença que só quem tem os sintomas sabe como é. Ela não tá sozinha. Vem a dor, o desânimo, o cansaço, a depressão, ganho de peso, ansiedade. Enfim, vem tudo junto”, conta Mara.
“Tem que se conhecer muito bem” (diagnóstico)
O diagnóstico da doença é delicado e não é descoberto com um exame específico, mas sim através de uma consulta minuciosa com uma longa conversa, questionários e toques que testam a sensibilidade do paciente. “Eu tive que ficar umas 3 horas na sala com o médico. A análise do reumatologista é muito delicada e é preciso vários toques parar encontrar os pontos de dor que são principalmente nas costas, na cabeça e nas laterais do ombro”, diz Mara.
Para Carolina Favarin, é imprescindível que o paciente se conheça bem na hora do diagnóstico clínico. Nesse processo, o médico reumatologista responsável procura pontos de gatilhos na musculatura e ainda fica em alerta para sinais como falta da atenção, insônia, apneia e demais sintomas não motores como a síndrome do intestino irritável e depressão.

Não se sabe com exatidão o que pode vir a causar a Fibromialgia. No entanto, o fator genético interfere na pré-disposição à doença. Além disso, um lar conflituoso na infância ou demais dificuldades que possam abalar o emocional da criança em desenvolvimento, disfunção intestinal e falta de nutrientes são alguns dos motivos que também podem vir a ocasionar a síndrome.
“Dez anos de vida a mais” (tratamento)
“Eu tomo vários antidepressivos, remédio pra insônia e também alguns remédios pra dor, mas não tem jeito, não tem cura e a gente tem que procurar o melhor jeito possível de viver com isso. Eu acredito que se não tivesse essa doença, eu viveria uns dez anos a mais. Teria mais disposição e paciência pras (sic) coisas”, relata Mara.
Um dos primeiros tratamentos desenvolvidos para a fibromialgia foram os neuroestimuladores. Há alguns anos, a neuro estimulação estava restrita a consultórios e clínicas, mas agora pode ser usada em casa por conta de um aparelho descartável, autoaplicável e portátil, chamado Tanyx, que emite pulsos elétricos que atuam nas fibras nervosas responsáveis pela transmissão da dor até o cérebro. Com apenas 30 minutos de uso, o aparelho aumenta a liberação dos neurotransmissores responsáveis pelo alívio da dor, atuando como um analgésico natural.
Para a fisioterapeuta, o abuso de analgésicos é muito recorrente em pacientes fibromiálgicos, por conta da vontade de sanar essa dor constante. No entanto, essa não é a melhor maneira de se realizar o tratamento. Segundo Carolina, ele deve ser feito por uma equipe de multiprofissionais da saúde, como médicos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais e educador físico, que serão responsáveis por comunicar e amparar o paciente. Ela aponta que o tratamento para fibromialgia é um “trabalho de formiguinha” e deve ser disciplinado e constante para obter resultados eficazes. A profissional ainda explica que a pessoa portadora da síndrome deve ser exposta aos estímulos que geram dor para que ela aprenda a lidar melhor e tentar fazer mais atividades no cotidiano.

Também é importante, segundo Favarin, ter uma rotina de exercícios focados nas dificuldades do paciente com dosagens específicas. Em casos assim, as atividades aeróbicas ajudam muito e causam efeito cortical, que desestimula o cérebro hiper excitado pela dor. Paralelo a isso, o acompanhamento psicológico também é necessário, pois encoraja o paciente a eliminar o medo da dor, bem como ajuda elevar a sua autoconfiança e autoestima.
Por fim, a fisioterapia vem para complementar o tratamento e deixar o paciente apto a ser mais independente, a se desafiar e fazer atividades mais complexas. O estímulo aos exercícios que elevem a frequência cardíaca junto com a parte motora são parte do trabalho de fisioterapia.
“As vezes você tá arrumada e maquiada e parece que não sente dor” (estigmas)
Para Carolina, os estigmas sociais enfrentados pelos fibromiáligicossão preocupantes, uma vez que atuam como mecanismos de estresse e trazem dificuldades. “Quanto mais o paciente se vê sem uma rede de apoio, sem incentivo para superar, mais ele vai se afundando e gerando gatilhos psicológicos que geram depressão e vão evoluindo suas doenças”, alerta a profissional.
Além disso, por se tratar de uma patologia silenciosa e invisível, as pessoas que “só acreditam vendo”, julgam os pacientes os taxando de mentirosos, preguiçosos ou enrolados, que não querem trabalhar e produzir.
“Esse estereótipo que a sociedade gera atrapalha sim o tratamento e acelera a um processo depressivo muito maior e mais grave.A estabilidade emocional é muito importante e os gatilhos podem sim fadar ela a um prognóstico que não seria muito bom”, conta Carolina.
Por mais que não haja exames muito específicos para elucidar a fibromialgia, a termografia pode ser um ótimo complemento ao diagnóstico e ainda corroborar para aumentar a crença das pessoas naquele resultado, uma vez que é possível ver os pontos em afetados no paciente. “O fato é: a doença existe, existe a dor no cérebro e ele não está sabendo interpretar esses estímulos. Só que ao invés de melhorar um pouquinho a cada dia a sociedade coloca mais obstáculos e deixa o paciente com mais medo e travado, o que favorece o surgimento dessa síndrome”, desabafa a profissional.

“Depoimento das pessoas ajudam e são muito importantes” (rede de apoio)
Tendo em vista que os estigmas são agravantes para os portadores desta síndrome, o auxílio, o acolhimento e a compreensão por parte da sociedade se tornam essenciais. Mara Carvalho diz que desde que foi diagnosticada, a rede social tem sido um grande aliada.
“Quando eu ‘tô’ mal, entro no Facebook e vejo que várias outras pessoas estão passando ou já passaram pelo mesmo que eu, eu me sinto acolhida. É uma doença muito silenciosa e ingrata e saber que mais pessoas passam pelo o mesmo faz com que eu tenha mais forças e me inspire nelas e nas dicas que elas passam”, conta Mara.
Carolina Favarin ressalta a importância dessa rede de apoio para auxiliar em atividades comuns do dia a dia e também para demonstrar apoio emocional e afetivo, gerando acolhimento ao indivíduo. Para prestar esse amparo, existe a Associação Nacional de Fibromiálgicos (Anfibro) e a Associação Brasileira dos Fibromiálgicos (Abrafibro), que têm por foco gerar para os portadores da doença melhor qualidade de vida, tratamento gratuito e conquista de políticas públicas. Existem várias formas de se entrar em contato com essa associação, como por meio do cadastramento do seu e-mail no site, via WhatsApp, Instagram e Telegram.
Além disso, tendo em vista o esforço de clínicas, hospitais e médicos de tonarem a doença mais visível e conhecida, foi instituído no dia 12 de maio o Dia Mundial da Fibromialgia. Anualmente nesta data são realizados movimentos, passeadas e publicações nas redes sociais para alertas e conscientizar sobre a fibromialgia.
“Eu confio muito em Deus e espero que a medicina avance cada dia mais pra que a gente que tem essa doença possa viver cada vez melhor e com menos dor com o passar dos anos, porque só a gente que tem sabe o quanto é difícil”, conclui Mara com esperança.
Abaixo você confere um vídeo explicativo da fisioterapeuta e no link um podcast com a entrevista completa que ela concedeu ao Matraca.
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